A grandeza dos contos
- Michael Rios

- 1 de mar. de 2019
- 2 min de leitura
Atualizado: 30 de mai. de 2019
Existe uma visão preconceituosa, dentre certos literatos, de que o conto seria uma arte menor, quando comparado à nobreza do romance. Ao meu ver, uma visão ultrapassada. Há autores, especialmente mulheres, que colocam qualquer romancista no chinelo. Quando bem contada, uma história curta pode envolver e causar mais impacto do que uma meteórica trama de longa duração.
Tomemos como exemplo a canadense Alice Munro, que faturou o Nobel em 2013 e comprime em suas histórias a profundidade de vidas (às vezes gerações) inteiras. Todos os contos de Munro retratam a vida prosaica, interiorana e hostil das mulheres do século passado, nas paisagens de um Canadá quase desconhecido. O toque sutil de mestre está na forma como os relatos são desenvolvidos, quase casualmente, em uma linguagem limpa e sem rodeios, que nunca pesa demais, ou enfeita.
Dois lançamentos recentes (escritos por mulheres) estão aí para quem quer experimentar a reinvenção do gênero na literatura contemporânea: "O corpo dela e outras farras", de Carmen Maria Machado (americana com ascendência cubana), publicado pela editora Planeta; e "Cat Person e outros contos", de Kristen Roupenian, que saiu pela Companhia das Letras.
O primeiro livro faturou importantes prêmios literários e é uma deliciosa experimentação de terror e ficção científica que discute indiretamente o feminismo. A criatividade dos contos impressiona e o corpo da mulher está sempre no centro do debate. Em um deles, por exemplo, as mulheres do mundo começam a ficar translúcidas – invisíveis, mas não o suficiente, o que desperta toda uma sorte de reações. Em outro, o fim do mundo é narrado por meio dos relacionamentos de uma mulher bissexual. Uma leitura ótima e imprescindível.
"Cat Person", por outro lado, foi publicado na prestigiosa revista New Yorker, lá pelos idos de 2017, e viralizou, sendo compartilhado em massa, o que rendeu à autora um inédito contrato de publicação. Todo um livro publicado a partir de um conto. Na época, fui uma das adoradoras do texto, que narra o encontro amoroso de uma universitária jovem com um homem inseguro e trintão. Entendo o que motivou todo o frisson: em consonância com os relacionamentos de hoje, os aplicativos de encontros e de mensagens, "Cat Person" traz uma inédita e deliciosa visão sobre a vida de uma mulher com liberdade sexual e pouca vontade de se envolver, frequentemente massacrada pelo machismo.
Kristen Roupenian escreve com propriedade sobre temas muito atuais. O livro, apesar de irregular, vale a compra. Infelizmente, na mesma linha de "Cat Person", há apenas dois contos. Mas a experimentação da autora, inclusive em flertes com o fantástico, é outro bom motivo para nunca mais duvidar do poder e da grandeza de um bom conto.





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