Impressões sobre a Flip
- Redação

- 18 de jul. de 2019
- 3 min de leitura

Acabo de voltar, como antecipei na coluna anterior, da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip). Trouxe algumas observações importantes sobre o evento, que podem servir tanto para quem nunca foi quanto para quem já foi, e que também são excelentes termômetros na hora de avaliar o cenário literário brasileiro. Estou cheia de sentimentos dúbios, enquanto escrevo este texto. Um misto de confusão, alegria pelas novidades testemunhadas, e algumas pitadinhas de decepção.
Vamos aos tópicos.
A diversidade está vencendo
A Flip não é mais um lugar para homens brancos de classe média que escrevem sobre a desilusão masculina, crises criativas de escritores medianos e seu lugar do mundo. Graças a Deus! A festa, como o restante do mundo, está mudando, e parte importante disso foi a representatividade dos autores destacados na programação. O resultado é de encher o peito de orgulho. Entre os cinco livros mais vendidos pela livraria oficial do evento, quatro são de autores negros e um de autor indígena. São eles:
Memórias da Plantação - Episódios de Racismo Cotidiano Grada Kilomba
Cobogó
Ayobami Adebayo
HarperCollins
Ailton Krenak
Companhia das Letras
Kalaf Epalanga
Todavia
Gaël Faye
Rádio Londres
A intolerância está alta
Quem é ligado em literatura conferiu as notícias dos ataques contra o jornalista Glenn Greenwald, responsável pelos arquivos polêmicos da Vaza-Jato. Não estou aqui para fazer uma análise política, longe de mim ter capacidade de fazê-lo, mas o fato é que a intolerância na Flip pairava no ar. Seja em relação aos apoiadores do atual presidente, seja em relação às pessoas ligadas ao movimento que exige a libertação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Independentemente da posição política, não é saudável ou mesmo adequado utilizar um festival literário como desculpa para agredir aqueles com ideias distintas. Infelizmente, a polarização política que esfacela (passamos da fase do dividir) o país estava presente na Flip. Bem presente.
É claro que a literatura, enquanto arte e ferramenta de reflexão do mundo, não pode se esquivar de apontar as falhas gritantes da sociedade. É claro que a Flip, em ampla medida, foi um festival para discussões políticas. E aqui escolho o que, para mim, foi o melhor destaque: o slam de poesia falada que contagiou a galera e incendiou a multidão com versos altamente políticos. Político com classe. Sem agressões de qualquer tipo (e essa é a beleza da arte).
Pouca acessibilidade
Minha grande decepção. Verificar que, entre as multidões que lutavam por um espaço na programação paralela, ou mesmo percorriam as ruas do centro histórico em confusão, havia pouquíssima acessibilidade. Idosos e idosas apaixonados pelos livros eram espremidos em filas intermináveis, ou simplesmente ignorados por pessoas que assistiam às palestras sentadas.
Para não mencionar as pessoas com algum tipo de deficiência. Os preços praticados nos estabelecimentos, o que é quase natural em vias capitalistas, eram exorbitantes. Indígenas (e muitas crianças) vendiam artesanato na rua, no frio congelante, e simplesmente não eram notados pelos transeuntes apressados para o próximo compromisso.
Sei que coisas como essas fogem um pouco ao controle da organização do evento, mas me fez refletir sobre o papel das pessoas que frequentam a Flip na intenção de fazê-la um mundo inclusivo. E cheguei à polêmica conclusão de que algumas delas simplesmente não querem fazê-lo.
Por que não valorizar as pratas da casa?
Outro ponto ligeiramente polêmico que, acredito, é necessário abordar. Enquanto best-sellers estrangeiros como Kristen Roupenian lotavam o auditório principal, mas logo decepcionavam a plateia (em uma palestra que, segundo quem a assistiu, foi para lá de morna); best-sellers nacionais eram escanteados para a programação paralela, lotando casas menores, como o jovem escritor Raphael Montes. Fica a pergunta se a Flip, no que tange à escolha de autores brasileiros, não faz divisões injustas neste mundo que só muda. No Brasil, ainda é muito forte a divisão entre a literatura que faz pensar, que faz refletir, e a que vende.
Sendo que não precisa ser. Sendo que, nos outros países, isso não existe. É só ler Kristen Roupenian, Carmem Maria Machado, a própria Ayobami Adebayo: autoras de livros incríveis, que trazem reflexões poderosas, presentes na programação principal, porém não são exatamente escritoras de linguagem rebuscada. Por aqui, se fossem brasileiras e vendessem, seriam excluídas, colocadas no patamar da literatura comercial. Ou consideradas de leitura fluida demais, fácil demais. Precisa ser assim?
Mas isso é tema para uma próxima coluna.





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