Livros de mais?
- Redação

- 2 de ago. de 2019
- 2 min de leitura
Chega o derradeiro momento em que todo leitor compulsivo percebe um fato escandaloso: de repente, tem livros de mais. Cheguei lá, eu que sempre sonhei com bibliotecas gigantescas. Que sempre achei que morreria com meus livros. Agora, uma mudança de mentalidade. Os livros existem para encontrar leitores.
Mas nesse ritual de catalogar a vida a gente acaba se deparando com uns exemplares que, esses sim, precisam vir com a gente. E, no meu caso, é este livrinho: A ilha do Tesouro, sobre piratas e uma aventura do tesouro, numa edição quase ilustrada com termos em inglês terrivelmente complexos para uma criança.

Por que esse livro, de cuja trama confesso que não me recordo bem, é importante pra mim? Este foi o primeiro livro que eu comprei em uma livraria. Eu mesma. Por livre e absurdamente deliciosa escolha.
A história: eu tinha os meus nove ou dez anos, era uma criança muitíssimo interessada em leitura, para espanto dos meus pais (que não o eram). Um dia, voltando do dentista ou de algum médico qualquer na cidade grande, que naquela época eu mal sabia que se chamava Brasília e que um dia seria meu lar, minha mãe me concedeu o maior presente de todos: quase uma hora de liberdade entre as estantes da Livraria da Rodoviária, para escolher o livro que eu quisesse.
Eu me lembro da felicidade que eu senti naquele dia.
De passear pelas estantes em quase adoração, olhando cada livro, indecisa sobre qual comprar! Nossas limitações financeiras só permitiam um exemplar, à época... eu precisava fazer valer aquele presente. Escolheria esse de capa dura ilustrado? Não, infantil de mais! Eu já era quase uma pré-adolescente! Só tinha lido, até então, livros muito rasos e muito pequenos, aventuras gastas e baratas. Eu queria um livro complexo, um livro com uma história densa. Uma aventura maior. Mas que fosse cativante. Meu Harry Potter ainda demoraria a aparecer nas mãos, então fui de Louis Stevenson, confiante na minha própria inteligência.
Este livro é a alegria daquele dia, mas também a leve decepção de não entender nada dos primeiros capítulos. É uma memória condensada. A lembrança de perseverar, e tentar de novo, até terminá-lo, triunfante, e perceber que nunca foi só um livro.
Todo leitor percebe que chega a hora que tem livros de mais. É um momento triste em que as livrarias, para sobreviver, vendem material de estudo para concursos e capas de smartphone. Entretanto, sigo confiante de que as histórias não acabam. Nunca acabarão.
Eu até preciso escrevê-las!





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