Entre flores e perseguições
- Michael Rios

- 25 de jul. de 2019
- 2 min de leitura
Uma açucarada história de amor de quem desistiu de tudo e enfrentou todos para continuar juntos. Este poderia ser um resumo do filme “Elisa y Marcela” em uma sociedade mais igualitária que a nossa. No contexto em que a história é contada, porém, é importante resumi-lo de outra forma: uma guerra de um casal lésbico pela própria sobrevivência.
Divulgado pela Netflix, o filme conta a história de duas mulheres que foram perseguidas na Espanha de 1901 por manterem um romance. A perseguição que sofreram obrigou Elisa a assumir a persona masculina de Mário, um primo morto dela, para tentar evitar que a sociedade extremamente cristã (da época? de hoje?) as matasse.
TRECHO
Cercaram a casa das professoras e fizeram um estardalhaço que perdurou na memória coletiva. Gritavam exigindo a presença de Elisa. ‘Que saia daí a Maria-Macho!
(Tradução livre da obra “Elisa y Marcela” de Narciso de Gabriel).
Protagonizado por Natalia de Molina e Greta Fernández, o filme tem uma proposta estética arrojada criada pela diretora Isabel Coixet: a narrativa em preto e branco começa com um ritmo lento mas chega a uma veloz agressividade no final conforme a inocência do romance de Elisa e Marcela é massacrado com cada vez mais dureza.
A cena final é apoteótica, mas perde para os créditos: a emoção alcança o auge quando podemos ver as fotos reais do casal, incluindo a foto de Elisa vestida de homem para poder se casar com Marcela. Casadas na igreja, benção do padre, um escândalo (para a época? para hoje?).
TRECHO
Ao mesmo tempo, se ressalta a inteligência e inventividade das protagonistas em desafiar as normas usando estrategicamente seus próprios caminhos e contradições.
(Tradução livre da obra “Elisa y Marcela” de Narciso de Gabriel).
Dois filmes, uma polêmica
É possível estabelecer várias relações entre “Elisa e Marcela” (2019) e “Flores Raras” (2013). Desde o fato que ambos são adaptações de livros (“Elisa y Marcela: Amigas e amantes”, de Narciso de Gabriel, e “Flores raras e banalíssimas: A história de Lota de Macedo Soares e Elizabeth Bishop”, de Carmen Oliveira) até os questionamentos sobre a depressão que aflige muitas mulheres lésbicas.
Apontaremos o foco aqui, entretanto, para outra correlação entre as histórias: suas produções audiovisuais. Ao chegarem ao cinema as histórias chegaram a/chocaram uma boa parte da população. As duas produções foram criticadas por fazer apologia LGBT, por terem histórias inconsistentes com os fatos e por interpretações carregadas demais.
Antes mesmo de chegar às telonas, os filmes enfrentaram uma rejeição constante de produtoras e distribuidoras. Isabel Coixet precisou de 10 anos de negociações para conseguir finalmente produzir “Elisa e Marcela”.
TRECHO
A cada estrofe Bishop consultava Lota com os olhos claros. Os olhos morenos devolviam a interrogação. A sala ficou cheia de silêncios.
– Leia mais – pediu Lota.
(Trecho de “Flores raras e banalíssimas” de Carmen Oliveira).
Sob diversos pretextos, as histórias de Elisa e Lota, Marcela e Elizabeth, foram combatidas com afinco: o silêncio havia imperado por tanto tempo, para que colocar mais combustível naquela fogueira? Para quê lembrar de novo daquelas guerras?
A resposta é simples: se todos os dias a luta for travada nos livros, telas e ruas, quem sabe um dia essas memórias não precisem mais ser chamadas de luta.





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