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Ficção para entender o Brasil

  • Foto do escritor: Redação
    Redação
  • 11 de abr. de 2019
  • 2 min de leitura

Atualizado: 30 de mai. de 2019

Esta é uma coluna triste. Não dá para ser diferente na semana em que um pai de família leva 80 tiros "por engano", principalmente quando é sabido que, acaso a cor da pele fosse clara, o desfecho poderia ter sido outro. Mas dá para falar de literatura, porque os livros são, quando não uma porta de saída do mundo, uma boa chance de encarar o próprio reflexo. É precisamente em tempos como esses que as histórias se avolumam, se proliferam, se irrigam de sangue para vomitar os significados em papel, uma espécie de catarse coletiva pela arte. É pela ficção que nós descobrimos como voltar a viver. 


Quando eu penso no Brasil, nas coisas que andam a acontecer e parecem que aconteceram desde sempre, penso em João Ubaldo Ribeiro. Que escreveu um épico sugestivamente — ou ironicamente — batizado de Viva o povo brasileiro. Um retrato em ficção, começando pelas beiras de 1500, que espelha todas as nossas tortuosas origens. Nesse livro delicioso, talvez o meu favorito, os personagens vão pedindo espaço para existir, mostrando que desde o tempo em que portugueses por aqui aportaram este país já era — vale dizer — um caso de amor e ódio.


Contar a história de um país de um jeito que não seja maçante, didático, auto-referente: João Ubaldo, o mestre, soube fazê-lo, dando vida aos homens que morreram e mataram para manter seus privilégios, explicando com personagens perfeitamente verossímeis como tudo, desde a coroa, as invasões, as revoltas e os estupros, foi sempre o mesmo conto. Um conto de preconceito racial, de jogos de poder, de sangue derramado em nome de homens de bem; mas também de um povo que não parece desistir. A narrativa deu lugar a um caldeirão multicultural que é perfeito nas imperfeições e não parece se entender. 


A história desse país de Ubaldo cresce, continua para além do livro. Vai arrebatando novos fiéis a cada século, com a conversa de que, antes, antes mesmo, era tudo muito melhor. Antes é que havia ordem. 


Jorge Amado também soube falar desse Brasil malandro, racista, carnavalesco, barulhento — lindo, mas doloroso. Conceição Freitas fala hoje, com olhos cheios d’água. Novas vozes vão surgindo, vão se abrindo para um escuro que insiste em rondar os espaços. Os olhos, ao que parece, é que insistem em ficar fechados. Ou pelo menos boa parte deles.


Eu, se me permitem um humilde adendo, também tento escrever sobre esse Brasil. Tem esse conto aqui, de que muito me orgulho porque é real. Tão real quanto pode ser a ficção que imita nossas misérias, pelo menos. 



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