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Por um sonho mais possível

  • Foto do escritor: Redação
    Redação
  • 27 de jun. de 2019
  • 3 min de leitura

A literatura com temática LGBTI tem vivido uma explosão de popularidade, basta ver que boa parte das livrarias virtuais fizeram uma seção para celebrar o mês do Orgulho. Embora a produção de livros com temática homossexual seja constante desde o romantismo, o momento atual tem sua novidade: o público a que essas obras se destinam.


Recentemente me deparei com três romances de jovens autores brasileiros: Moletom, de Júlio Azevedo; Um milhão de finais felizes, de Vitor Martins; e Caio e Léo, de Levi Brito. Antes de falar deles, porém, é preciso contextualizar.


Durante boa parte da história, a diversidade sexual foi velada ou pornográfica na literatura. Nas letras brasileiras, dois clássicos são exemplos: do encoberto vem a atmosfera homoerótica de O Ateneu (1888), de Raul Pompeia, e do explícito, o romance de O Bom Crioulo, de Adolfo Caminha (1895). 


Entretanto, a literatura gay encontrou, nos últimos anos, um filão que ainda não havia sido explorado: o romance adolescente. O norte-americano David Levithan, de Dois garotos se beijando, é o maior nome desta geração de escritores. Desde a última década, sua obra permanece entre as mais vendidas dos “livros para jovens adultos”. 


São histórias tão divertidas quanto distantes da realidade do jovem LGBTI brasileiro: um mundo em que todos o aceitam, todos são belos e o único obstáculo entre ele e qualquer coisa é ele mesmo. Os mundos de Levithan ou de Becky Albertalli (Com amor, Simon) são idílicos, mas entretidos. Em especial o livro de Becky e sua adaptação cinematográfica fofa, que mostram com engenho narrativo e humor uma realidade leve. É bom para sonhar.


Ao sonhar, entretanto, acabamos muitas vezes mantendo parte do padrão anterior. Os ideais erotizantes seguem preservados na figura do Valentão-Tóxico pelo qual todos os nerds acabam caindo de amores. Valentão este que, milagrosamente, revela não só ser boa pessoa como também estar apaixonado pelo protagonista. Já a atmosfera velada se preserva na narrativa apolítica, que ignora em boa parte as lutas da comunidade LGBTI.


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Tendo em vista essa problemática, vamos aos livros que li. Caio e Léo, de Levi Brito, foi uma decepção por mergulhar tão profundamente no padrão do Valentão-Tóxico que a narrativa parece norte-americanizada. O livro foi lançado simultaneamente em inglês, português e espanhol. Talvez isso explique a assepsia do texto, que poderia ser muito mais interessante se fosse um relato transportado para a realidade de Teresina, cidade de origem do autor.


Ouvi os passos dele se aproximando de onde eu estava. Então, ele abriu a porta da cabine e me encarou. Quando percebi, eu tinha tirado a camisa dele e ele a minha. Ele me beijou, e quando as minhas mãos descontroladas foram deslizando para o seu cinto, alguém entrou no banheiro.

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Vitor Martins, de Um milhão de finais felizes, é nosso David Levithan brasileiro.  Ele sabe envolver com agilidade. Embora a história tenha um título bastante cor-de-rosa, me surpreendeu que a narrativa dê certo espaço para o debate político ao discutir a relação do protagonista com seus pais extremamente religiosos. A idealização do homem ao mesmo tempo atlético e romântico segue presente aqui.



—Jonas — diz ela com a voz baixa. — Eu tenho orado por você. — Obrigado, mãe — respondo, porque sou realmente grato. — Ainda tenho muita fé no que Deus tem planejado pra você. Você não recebeu esse nome em vão.


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Dos três, Moletom, de Júlio Azevedo, é sem dúvida o melhor. Na narrativa, mais pé no chão (embora ainda muito sonhadora), convivem em harmonia passagens inspiradas e citações à cantora Carly Rae Jepsen. O grande destaque da obra está nas belíssimas ilustrações, todas de autoria de Júlio, que muitas vezes contam melhor a história do que o próprio texto.


Às vezes eu acho que todas essas ondas, sejam elas fortes ou fracas, vão me atingir. Aí está o problema. De tanto observar o mar pela janela, nunca aprendi a nadar.

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Em todos os livros permanece, no entanto, o que me parece um problema: só tratamos aqui de protagonistas masculinos, brancos (ou sem raça definida) e com boas condições econômicas. Será que também não há espaço para sonhos açucarados em outras realidades?


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