Torto Arado e os regionalismos
- Redação

- 22 de mar. de 2019
- 2 min de leitura
Atualizado: 30 de mai. de 2019
Um conhecido estudo conduzido pela professora da Universidade de Brasília (UnB) Regina Dalcastagné mapeou o perfil dos escritores brasileiros contemporâneos. Descobriu que eles são, em maioria, homens, brancos, heterossexuais, moradores de grandes centros urbanos, geralmente em Rio de Janeiro ou São Paulo. E essa é a paisagem na qual habita a maior parte de seus personagens.
Eu, cá com minhas raízes goianas, sou saudosa dos regionalistas, completamente apaixonada pela prosa sertaneja de Guimarães Rosa, por suas reminiscências de um outro Brasil: rural, agreste, com farta cultura interiorana. Inclusive, se posso dizer, é onde habita o meu próprio imaginário.
Quando descubro um escritor ou escritora contemporânea brasileiro que finca suas raízes em solos regionais, corro para colocar as mãos e conferir o resultado. Foi com muita curiosidade, portanto, que comprei o livro Torto Arado, do escritor soteropolitano Itamar Vieira Junior – que venceu o Prêmio Leya do ano passado, a maior premiação em língua portuguesa conferida a obras inéditas.
Lançado primeiro na Europa, o livro só está disponível em e-book por aqui, por enquanto. A história se constrói a partir dos pontos de vista de duas irmãs de uma família de trabalhadores negros, no interior da Bahia: Bibiana e Belonísia, que vivem quase em simbiose, até se separarem, já na vida adulta. O cenário principal é uma fazenda em que famílias inteiras são mantidas por perto pela impossibilidade de encontrar outro lugar. Está tudo ali: a injustiça gritante de uma sociedade que aboliu a escravatura, mas condenou os descendentes de escravos à pobreza; a poesia lírica que habita o sertão; o labor interminável das mulheres, sem falar no encantamento das religiões afro. É um livraço.
Na condição de centro urbano recém-nascido, com apenas 59 anos incompletos, Brasília é uma dessas cidades que tem grande potencial para ser explorada na literatura, muito além do Congresso Nacional e de seus habitantes (por vezes mais estranhos que qualquer ficção). Há por aqui uma grande história, mesmo sem ruínas: um conto sobre a cidade construída a partir do deserto, sobre homens e mulheres que vieram de todos os lugares possíveis e plantaram suas raízes. Terreno fértil para escritores com sensibilidade explorarem a paisagem – como fez Milton Hatoum, recentemente, em seu A noite da espera.
Não entendo os jovens escritores brasileiros que manifestam um desejo incontrolável por germinar suas histórias em solo estrangeiro. Rejeitam uma cultura incrível, com todas as variedades de cenários, pelo encanto de uma trama em Londres ou Nova Iorque. Eu mesma demorei a aprender um pouco mais sobre como um escritor precisa escrever sobre as coisas que conhece. É que passamos tanto tempo emulando o imaginário alheio, que nos esquecemos das heranças próprias.
O meu conselho é: leiam os regionalistas. Eles ensinam muito sobre como a vida de um país não se concentra apenas nas bordas.





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